quinta-feira, 19 de junho de 2008

Projeto de lei de senador cria sessões mensais de filmes brasileiros na escola pública, para formar platéias

RIO - Pela lógica do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), 46.610.710 potenciais espectadores estão à espera de um filme brasileiro neste momento. Esse público, capaz de fazer enfartar de alegria qualquer produtor, está espalhado pelos 165.937 estabelecimentos de ensino das redes federal, estaduais e municipais do Brasil, nos ciclos fundamental e médio da formação escolar. Esses números vêm do último censo promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para que o Ministério da Educação (MEC) quantificasse o total de alunos no país. Eles são a platéia que Buarque espera formar com o projeto de lei (nº 185) que encaminhou para a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, torcendo por uma futura aprovação pela Câmara dos Deputados.
"Filmes podem passar em DVD", diz senador
Sua ementa: "A exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por no mínimo duas horas mensais".
- Não precisa haver um cinema dentro da escola para isso. Pode ser só uma TV, com um DVD - diz o senador. - O importante é que se assista a cinema brasileiro, de curta, longa e média-metragem. Eu não penso em entretenimento com isso. Estou pensando na educação artística dos alunos.
A preocupação de Buarque ao explicar o projeto é deixar claro que não quer fazer da escola "um telecurso". Filmes pedagógicos, como os vídeos sobre educação ambiental, saúde e higiene, comuns em salas de aula, não contam na meta de duas horas que as escolas públicas teriam que cumprir - e nada impede que as privadas sigam o mesmo rumo.
- A idéia é criar uma massa brasileira que goste de cinema. O cinema aqui só existe porque é financiado pelo Estado. Ele tem ser financiado porque não tem um número de espectadores que o sustente. E não tem porque as pessoas não têm acesso aos filmes - diz Buarque, defendendo a idéia de que levar ficções, documentários e animações de diferentes bitolas ou formatos à escola pode mudar a realidade do mercado exibidor nacional.
Segundo Buarque, caberá às secretarias de Educação dar o apoio às escolas para a aquisição e a exibição dos filmes. Já a escolha dos títulos fica a cargo dos diretores, coordenadores e professores, a partir da realidade de cada instituição.
- Esse projeto não tem um custo astronômico. E não vai ser implantado de uma vez. Ele pode levar de cinco a dez anos para chegar a todas as escolas, mas dará resultados na formação de platéia.
Nas contas do senador, há cerca de 20 mil escolas no Brasil sem água e luz. Mas elas não estão descartadas do circuito exibidor escolar com que Buarque sonha:
- Para que esse projeto chegue até esses locais sem luz e água, eles precisam ser reconstruídos. Mas eu estou partindo do princípio de que as escolas brasileiras não vão ficar para sempre com as péssimas condições arquitetônicas que vemos hoje em alguns locais. Se nos conformarmos com a precariedade e deixarmos de fazer propostas por conta dela, isso só vai deixar o Brasil ainda mais precário.
A argumentação ganha mais força quando se escuta a opinião da secretaria de Educação do estado com menos estabelecimentos de ensino (722) e com o menor número de estudantes matriculados (136.148) no Brasil: Roraima.
- Temos três escolas na rede estadual de Roraima que levam alunos ao cinema regularmente, de ônibus. Por isso, eu vejo esse projeto do Cristovam como algo viável. Ele só requer alguma adaptação - defende o secretário de Estado da Educação de Roraima, Luciano Moreira.

Na classe cinematográfica, a lei parece bem-vinda:
- Se formos ficar esperando a criação de novas salas para formar público, nada vai acontecer. Esse projeto cria o hábito do cinema - diz a veterana produtora Lucy Barreto.
Mas para quem está na sala de aula no dia-a-dia, o plano cinematográfico de Buarque tem dois lados, como sugere a professora Celina Maria de Souza Costa, diretora do Colégio de Aplicação (CAP) da UFRJ.
- Dentro da proposta do MEC de ampliar o tempo de permanência do aluno na escola, o projeto do senador Cristovam Buarque é perfeito. Mas para que ele aconteça é preciso estrutura. Se a escola vai ter um setor responsável pelo audiovisual, é preciso que haja um profissional capacitado para isso. Ou será que os professores vão ter de acumular funções?
Estrutura em pequenas cidades preocupa
Secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro, Sonia Mograbi levanta uma reflexão pedagógica:
- Projetos que promovem o acesso aos bens culturais, em geral, contribuem para a formação, mas devem estar em consonância com o projeto político-pedagógico da escola, para não cumprirem uma mera formalidade.
Na rede privada, são comuns as iniciativas de aproximar os alunos dos filmes. Por isso, o projeto soa como uma ação pedagógica possível.
- Entre espectadores mais velhos, ainda existe certa resistência em relação ao cinema brasileiro. Sua exibição nas escolas pode quebrar esse preconceito - diz Rafael Cunha, diretor e coordenador de língua portuguesa do colégio-curso Ponto de Ensino, que tem nove filiais pelo Rio. - Nos grandes centros, as escolas têm aparatos para exibir filmes. A questão é em relação ao âmbito nacional. Será que as sessões seriam em uma TV pequena para muitos alunos?
Buarque não tem essa resposta. Mas tem a certeza de que algo precisa mudar na educação brasileira.
- Todos falam que a escola é violenta. Uma das razões dessa violência é que a escola é vista como chata. Ela não é atraente. Ele precisa ser gostosa para os alunos. E o cinema pode ajudar nisso.
Fonte: Rodrigo Fonseca - http://www.oglobo.com/

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